Salve, salve, Universo Narrado! Durante o estudo de geometria, sempre falamos sobre figuras planas, ou sólidos geométricos obtidos a partir da junção de figuras planas. Aqui você vai perceber que essas não são as únicas opções, e existem outras formas de se fazer geometria.
O que é a Geometria Euclidiana?
O matemático grego Euclides, quase 300 anos antes de Cristo, em seu livro “Os Elementos”, compilou os axiomas e postulados que regem a aritmética e a geometria comum. Toda geometria que obedecer a esses axiomas e postulados, é chamada de Geometria Euclidiana.
Você pode perguntar: “axioma e postulado não é a mesma coisa”? Geralmente, sim. Contudo, o Euclides chamou de axioma aquilo que vale para todos os campos da Matemática e postulado aquilo que vale apenas para a geometria.
Beleza, mas quais são esses axiomas e postulados? Confira a seguir.
Axiomas:
- Coisas que são iguais a uma mesma coisa são iguais entre si.
- Se iguais são adicionados a iguais, os resultados são iguais.
- Se iguais são subtraídos de iguais, os restos são iguais.
- Coisas que coincidem uma com a outra, são iguais.
- O todo é maior do que qualquer uma de suas partes.
Se estiver confuso, não esquenta a cabeça não — é um pouco abstrato mesmo. Assiste a esse vídeo antes de continuar que vai facilitar:
Ótimo. Agora que você já entendeu os axiomas, vamos para os postulados.
Postulados:
- Por dois pontos passa uma única reta.
- É possível prolongar um segmento de reta ilimitadamente.
- Dados um centro e uma distância, é possível descrever um círculo.
- Todos os ângulos retos (90º) são iguais entre si.
- Se uma linha reta cortar duas outras retas de modo que a soma dos dois ângulos internos de um mesmo lado seja menor do que dois retos, então essas duas retas, quando suficientemente prolongadas, cruzam-se do mesmo lado em que estão esses dois ângulos.
Os quatro primeiros talvez pareçam um pouco intuitivos, né? Esse quinto já é mais confuso, e é sobre ele que a gente vai falar agora.
O Quinto Postulado
Esse 5º postulado é chamado de Postulado das Paralelas. Basicamente a ideia dele é dizer que as duas retas mencionadas se cruzam, e aí vão acabar constituindo um triângulo. Saca só pela imagem:

A ideia é: se aqueles ângulos marcados ali, juntos, forem menores que 180º (dois ângulos retos), então quando eu prolongar as retas para o lado adjacente aos ângulos, pelo quinto postulado, elas vão se encontrar (note como a letra s está próxima da letra r na figura acima).
A gente ainda pode interpretar de outra forma, olha só:

A ideia aqui é analisar o outro caso: perceba que, dessa vez, a soma dos ângulos dá igual a dois ângulos retos (180º). Então, pelo quinto postulado, as retas r e s são paralelas.
Talvez você leia isso e fale: “Pô, verdade. Óbvio, tô vendo isso. Tem que ser um axioma sim.”
A polêmica por trás desse postulado
Convenhamos que a forma que o quinto postulado é escrito não é tão simples de entender. Reconhecendo essa dificuldade, uma outra forma de enxergar esse postulado foi proposta pelo próprio Euclides, é a seguinte:
“Por um ponto exterior a uma reta, passa uma única reta paralela à reta dada.“
Bem mais sucinta que a outra forma de enunciar, né? Pois é. Ela recebeu o nome de “Axioma das Paralelas” e foi essa simples frase a causadora de toda a polêmica…
Muitas pessoas diziam que esse postulado não era um simples postulado, que ele precisava ser demonstrado, e que ele não passava o mesmo grau de confiança que os outros.
Um camarada chamado Proclo, mais de 400 anos depois de Cristo, fez essa crítica:
“Este postulado deve ser riscado da lista, pois é uma proposição com muitas dificuldades que até mesmo Ptolomeu, em certo livro, se propôs resolver. A afirmação de que duas retas, por convergirem mais e mais conforme forem prolongadas, acabam se encontrando, é plausível, mas não necessária. (…) É claro, portanto, que devemos procurar uma demonstração do presente teorema, e que este é estranho ao caráter especial dos postulados.“
É interessante a gente observar quanto tempo se passou. Euclides escreveu os postulados quase 300 anos antes de Cristo. Ptolomeu tentou resolver por volta de uns 150 anos depois de Cristo, e o Proclo estava criticando isso uns 700 anos depois que o Euclides havia publicado. Bastante tempo, né?
No decorrer da história, o axioma das paralelas chamou a atenção de muitos matemáticos, que tentaram demonstrar esse teorema a partir dos outros axiomas da geometria (Preciso dizer que falharam? hahahaha). Apesar de a maioria realmente ter falhado, alguns fizeram algumas contribuições bem legais.
E por que falharam? Muitos desses matemáticos em algum momento faziam suposições equivalentes a dizer que o axioma é verdadeiro. Então acabavam concluindo que era realmente verdadeiro. Outros utilizavam alguns argumentos errados e não conseguiam concluir nada.
Os estudos que originaram as Geometrias Não-Euclidianas
Foi em 1733, que um cara chamado Saccheri tentou provar o teorema usando o método da Redução ao Absurdo. E, sem saber, ele descobriu o que a gente conhece hoje como Geometrias Não-Euclidianas. Mas, infelizmente, esse cara não era tão conhecido (ainda não é muito até hoje, haha) e esse trabalho acabou se perdendo um pouco.
Quem resgatou o trabalho do Saccheri e voltou a chamar a atenção para essa história foi ninguém menos que o príncipe da matemática, Carl Friedrich Gauss, por volta dos anos 1800. Ele, e outros matemáticos da época tentaram supor que o axioma é falso, e substituir por outras afirmações, como:
- Por um ponto exterior a uma reta, podemos traçar uma infinidade de paralelas a esta reta. (Esse deu origem à geometria de Lobachevski)
- Por um ponto exterior a uma reta não podemos traçar nenhuma paralela a esta reta (Esse deu origem à geometria de Riemann).
A galera percebeu que dava pra construir outras geometrias diferentes da euclidiana, coerentes e com seus próprios axiomas. Apesar de serem ideias difíceis de abstrair, de pouco em pouco elas foram sendo reconhecidas legítimas e válidas.
As Geometrias que conhecemos atualmente
Hoje em dia nós temos 3 principais tipos de geometria:
- A geometria euclidiana, por vezes chamada de parabólica;
- A geometria de Lobachevski, também chamada hiperbólica;
- A geometria do Riemann, também chamada elíptica ou esférica.
As duas últimas recebem o nome de Geometrias Não-Euclidianas. Estas novas geometrias permitiram às ciências exatas do século XX uma série de avanços, entre os quais a elaboração da Teoria da Relatividade de Einstein.
Inclusive, muita gente achava que essas geometrias não-euclidianas não tinham aplicação prática e só existia na teoria. A Teoria da Relatividade foi uma das provas de que tem aplicações práticas sim.
Outra prova imediata para nós é o próprio lugar em que vivemos. A Terra tem formato esférico (acredite!), por isso, a geometria que realmente deve ser usada quando falamos de distâncias e objetos geométricos na superfície de nosso planeta, é a Geometria Riemanniana.

Observe como a soma dos ângulos internos de um triângulo na superfície da Terra é maior que 180º. Muita gente pode olhar isso e dizer: “Mas isso não é um triângulo, os lados fazem curva!”. E é exatamente essa a diferença nas geometrias não-euclidianas: elas não seguem os mesmos padrões que estamos acostumados na geometria euclidiana.
Veja abaixo um triângulo e duas retas paralelas numa geometria hiperbólica.

Saca só esse vídeozinho sobre a geometria esférica, no nosso planeta mesmo
Com isso, meu caro amigo, você pôde ver como existe muita coisa interessante de matemática para ser explorada quando variamos, mesmo que um pouco, os pilares que sustentam a matemática que conhecemos amplamente. Como se não bastasse, com várias aplicações para o mundo também! De qualquer forma, como dizia Manoel de Barros:
“As coisas que não levam a nada têm grande importância.“
Leitura adicional sobre o assunto:
Se você realmente se interessou por esse tema, tem esse vídeo no canal sobre o livro “A Janela de Euclides” do autor, Leonard Mlodinow. Ele também tem alguns outros livros de divulgação científica, mas nesse ele discorre cronologicamente, desde Euclides, até as aplicações dessas geometrias, sem fazer contas e encher de fórmulas.